Estigma afeta ex-presos ao disputar vaga de emprego

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A empregabilidade de pessoas que passaram ou ainda estão no sistema prisional é diretamente atingida em razão desse histórico, argumenta o missionário e capelão do Ministério Prisional, pastor Oséias Ribeiro. Esse tema pertence a artigo do obreiro para a Revista Batistas SP (BSP). O ministro atua pela área de Missões Estaduais da Convenção Batista do Estado de São Paulo (CBESP).

O texto descreve exemplos e apresenta dados para promover reflexão. O escrito integra a edição 18 da BSP, cuja capa fala da perspectiva profissional e de empreendedorismo cristãos

A Batistas SP é o veículo oficial da Convenção Batista do Estado de São Paulo (CBESP)

Outros conteúdos da BSP18 já foram publicados no site, como o que abordou os 50 anos da Rádio Trans Mundial (RTM), o texto com dicas de livros para ler nas férias e outro sobre doação de sangue e plaquetas, os artigos do presidente da CBESP e do diretor executivo do Conselho de Administração e Missões (CAM-CBESP), e outros elaborados pelas organizações batistas do estado paulista. Todas as edições da BSP estão disponíveis gratuitamente para download aqui.

Muito trigo entre o joio*

Era um feriado prolongado, perto das 13 horas. Sol escaldante às margens da Marginal Tietê. No ponto de ônibus, “seu” José, idoso de pele negra e cabelos brancos, olhar fixo no movimento dos carros. Com ele, apenas um saco de roupas velhas, trajes de preso, documentos em mãos, e bem desorientado.

Emprego é essencial para a ressocialização (Adobe Stock)

A poucos metros, eu estava na Penitenciária do Belém, no regime semi-aberto. Havia prometido ajudar a um irmão em Cristo. Assim que adquirisse o direito de “saidinha”, iria levá-lo a Sorocaba, para junto de seus familiares, mas o local estava quase deserto. Perguntei ao agente penitenciário sobre a liberação, e, para minha surpresa, haviam sido liberados no dia anterior, restando somente aquele senhor que estava no ponto desde as 6 horas. Imediatamente, manobrei, estacionei o carro, e fui falar com ele.

Contou que estava voltando para casa, e que sua filha viria buscá-lo, mas, até aquele momento, não havia chegado. Também disse do tempo que esteve preso, e que era ela quem recebia seu benefício, a aposentadoria dele. Chorou ao falar da neta, da saudade. Queria voltar pra casa, cuidar dos animais que criava e fazer de tudo para ajudar os netos. Estava sem comer, mas mantinha a esperança de voltar para casa, com seu alvará de soltura em mãos.

Ao final de conversa, já estávamos no Terminal Tietê, paguei-lhe um café reforçado, comprei sua passagem para Aparecida, e o vi deixar a plataforma com destino à sua cidade. De lá, ele ainda andaria perto de 15 km até seu lar.

A volta de um preso para casa, digo, sociedade, não é fácil. O que pode ser feito é dar dignidade, ainda que temporal, para pessoas como o seu José. Isto já é um começo.

Recentemente, um amigo meu ajudou um rapaz que estava de saidinha, pedindo ajuda no farol para comprar passagem. Ele ajudou, mas ao sair do semáforo teve uma discussão ferrenha com sua esposa, pois ela não concordou com a atitude. Isto é uma mera constatação. 

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 57% da população brasileira em 2015 concordava com a frase “bandido bom é bandido morto”. De fato, “a desconfiança e preconceito da sociedade dificultam a ressocialização de presos”, diz um artigo do Senado.

Abertura pode fazer brotar bons profissionais (Adobe Stock)

Infelizmente, o que predomina na sociedade é o direito penal do autor e não do delito, ou seja, quem é criminalizado é a personalidade, e não a conduta. Nesse sentido precisamos refletir que há muito joio e trigo num mesmo lugar.

Realidade vivida por Wellington, ex-presidiário e irmão em Cristo. Ele afirma que ao sair em liberdade, há quatro anos, encontrou portas e janelas fechadas. Se não escolhera Deus antes de sair, e tivesse o apoio da família, certamente seria parte da triste estimativa dos 70% de egressos que voltam a cometer crimes. Hoje, embora tenha concluído o Ensino Médio enquanto esteve na prisão, encontra dificuldade de recolocação profissional, e, hoje, trabalha como mototáxi.

O irmão Marcos, que também esteve atrás das grades, afirma que a pior situação de um preso em liberdade é não contar com o apoio dos familiares. “Já existe o preconceito da sociedade, e os traumas vividos na prisão deixam o preso emocionalmente vulnerável”, disse. De acordo com ele, a violência na prisão é surreal. É outro mundo, outra vida. Ainda há a presença das facções. Conclui que há uma psicologia carcerária que os presos levam consigo ao sair da prisão e os tornam vulneráveis e propensos a reincidir. E, superado o tempo na prisão, quando conseguem a liberdade, há misto de ansiedade e muita euforia, mas aqui fora para o preso tudo é mais difícil! Para Marcos é fundamental o apoio da família. Entretanto, são os familiares que os desestabilizam. Frases como: “Quem vai dar emprego para um presidiário?” ou “Sua vida é mesmo o crime!” – acabam por levar o ex-preso a se refugiar nas drogas, fazer coisas erradas para manter o vício. Quando não, atravessam o espelho, cola o platinado, em outras palavras, ele surta.

Fontes: Infopen 2016 e World Prision Brief (Reprodução) 

E há números mais alarmantes. Dados do Instituto Nacional de informações Penitenciárias (Infopen) apontam que a população carcerária quase dobrou em 10 anos, passando de 401,2 mil para 726,7 mil, de 2006 a 2016. Do total, 40% são presos provisórios, ou seja, ainda sem condenação judicial. Em todo o país, há 368 mil vagas, o que significa uma taxa de ocupação média de 197,4%. O Brasil é o terceiro país que mais prende no mundo. Estimativas alertam que em 2025 o total de encarcerados chegará a 1,6 milhão de pessoas. A desigualdade social e a pobreza também refletem sobre eles. O mesmo instituto informa que 75% dessa população estudaram só até o Fundamental (veja mais no gráfico).

Qual nosso papel diante de tamanho desafio? Penso que apoiar projetos que atendam pessoas nessa condição, dar uma oportunidade, um voto de confiança é o inicio de um novo capítulo na história daquele que esteve preso e aprendeu a valorizar a vida e a liberdade, e querer escrever uma nova história. Nesse sentido, entendo ser fundamental garantir o direito à assistência religiosa, mas não só isso. Devemos utilizar essa ferramenta de maneira efetiva para a reintegração social do preso. Um trabalho de continuidade. Foi o que o apóstolo Paulo enxergou enquanto, esteve na prisão ao falar em favor de Onésimo. “É necessário que alguém continue o que comecei, uma história com começo, meio e fim, e Filemon é essa pessoa”.  Nossos irmãos citados aqui são histórias de superação e vitória. Histórias da verdadeira libertação que há em Cristo Jesus, não por um discurso evangélico, mas por pessoas, ou uma rede de pessoas que os apoiem, antes e depois que tiveram sua liberdade. Alguém que faça a diferença no momento que eles mais precisam. 

Oséias Ribeiro
Pastor e capelão no Ministério de Presídios da CBESP

* Reproduzido a partir da Revista Batistas SP (Ano IV / Edição 18).

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