Presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina (APAL) e membro da diretoria da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o médico Antônio Geraldo da Silva argumenta que a religiosidade e a espiritualidade são elementos protetivos contra a tentativa de suicídio. Ele foi um dos ouvidos da Revista Batistas SP (BSP). Na edição 16, de setembro-outubro, a publicação abordou esse assunto.
O psiquiatra é coordenador nacional da Campanha Setembro Amarelo, ação de alerta promovida pela ABP e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). No intuito de cooperar para esclarecimento desse assunto, o site da Convenção Batista do Estado de São Paulo (CBESP) publica a entrevista na íntegra e também links para conteúdos informativos.
Publicação bimestral da CBESP, a Revista Batistas SP está disponível gratuitamente para download aqui.
Por que esse assunto vem ganhando espaço na academia e na mídia?
Este assunto tem vindo à tona com mais frequência por alguns motivos. Infelizmente, o número de óbitos por suicídio vem aumentando em todo o mundo, o que faz com que a academia investigue mais o tema e a mídia o noticie com mais intensidade.
A cada 40 segundos, uma pessoa morre por suicídio no mundo (Fonte: ABP)
Por outro lado, entendemos que abordar o assunto de forma mais ampla é também resultado da diminuição do preconceito e tabu que cercam o tema. Deste modo, uma vez que falamos adequadamente sobre o tema, podemos incentivar mais pessoas a buscar tratamento e auxílio médico para a ideação suicida.
Há correlação social (pessoal/familiar) e econômica (país) e a taxa de suicídio no Brasil e em outras nações?
Em praticamente todos os casos, o suicídio é resultante de uma doença mental tratada de forma inadequada ou não tratada de maneira alguma. Os transtornos psiquiátricos são resultantes de uma junção de fatores genéticos e ambientais.
Nos últimos, consideramos o panorama do indivíduo: sua inserção social, relações familiares, cultura, estrutura financeira, entre outros aspectos que se relacionam à individualidade da pessoa.
Sendo assim, é correto afirmar que a taxa de suicídio no Brasil e no mundo sofre interferência direta do contexto social onde o indivíduo está inserido.
Há incidência maior entre jovens, por quê? Quais motivos para negros serem mais vítimas no País?
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que cerca de 10 a 20% de adolescentes em todo o mundo possuem algum transtorno mental que não é tratado adequadamente, sendo a depressão a 9ª doença que causa incapacidade a este público. O número de suicídio entre os jovens de 15 a 19 anos é altíssimo sendo a 3ª maior causa de morte.
Os jovens estão suscetíveis às mudanças hormonais que são características da fase de amadurecimento físico e psíquico. Sabemos que essas mudanças podem ser um dos fatores que leva ao desencadeamento de transtorno psiquiátrico.
Além disso, levamos em consideração a pressão que esta população jovem sofre em relação à realidade onde estão inseridos – estudo em demasia ou trabalho precoce, responsabilidades para com as famílias ou pressão pela época do vestibular, por exemplo. Alguns índices apontam a população negra como a mais suscetível à falta de estrutura social e financeira, questões de moradia e acesso a saúde, educação, entre outros aspectos. Podemos atribuir o maior índice de suicídio nesta parcela da população, mas não podemos também deixar de mencionar que o óbito por suicídio atinge pessoas de diversas classes sociais e realidades e contextos diferentes.
Segundo pesquisas, 17% dos brasileiros já pensaram,
em algum momento, em tirar a própria vida (Fonte: ABP)
De todo modo, os transtornos mentais que, quando não tratados, levam ao óbito por suicídio, podem atingir pessoas em qualquer idade da vida: crianças, jovens, adultos, idosos e até mesmo bebês, como o caso da depressão, por exemplo.
Fala-se de epidemia. Suicídio é um tipo de doença?
Não gosto de usar a expressão “epidemia”, pois pode causar um alerta ainda maior do que o necessário para a situação. O suicídio não é uma doença em si, mas deriva de doenças que não foram tratadas de forma adequada.
Como expliquei, os casos de suicídio derivam, em 96,8% dos casos, de transtornos psiquiátricos que não foram acompanhados ou tiveram seu acompanhamento feito de forma inadequada. Metade dos que morreram por suicídio foram a uma consulta médica em algum momento no período de seis meses que antecederam o óbito; 80% deles foram a um médico não psiquiatra no mês anterior ao suicídio.
Podemos considerar que o suicídio é um ato de desespero e, na maioria dos casos, não há desejo em encerrar com a própria vida e sim com a dor e o sofrimento decorrentes da falta de tratamento para o transtorno psiquiátrico.
Segundo a OMS, o Brasil figura na 8ª posição nesse índice. Existe proximidade entre demografia e ocorrências?
Precisamos ter cuidado ao relacionar as taxas de suicídio entre localidades, sejam elas dentro do mesmo país ou até mesmo comparação entre nações. Os casos de óbito por suicídio, como dito antes, tem também influência dos fatores ambientais.
Geralmente calcula-se a taxa de suicídio de um país em relação a grupos de 100 mil habitantes, para que possa ser aproximada da realidade de cada país. Ou seja, não necessariamente um país mais populoso terá maior taxa de suicídio e vice-versa. Ainda assim, é perigoso relacionarmos a taxa de suicídios somente a questões demográficas e/ou geográficas. Um conjunto de fatores influencia a decisão, que, em praticamente 100% dos casos, tem como doença de base um transtorno psiquiátrico.
É possível traçar um perfil das vítimas brasileiras?
O suicídio atinge pessoas das mais diversas idades e classes sociais. Por isso, consideramos que não é adequado tentar traçar um perfil das vítimas no Brasil, tendo em vista que um dos poucos pontos em comum que todas apresentam é a presença de um transtorno psiquiátrico não tratado.
Dá para identificar a crença (religião) entre os suicidas? A religião de alguma forma gera risco ao indivíduo? Em quais condições?
Não dá para fazer essa relação entre suicídio e crenças religiosas. Quanto ao risco, religiosidade e espiritualidade são considerados fatores protetivos para o suicídio. A presença de espiritualidade/religiosidade, independente da afiliação, é muito importante para o indivíduo.
Há algo que considere relevante destacar para leitores e leitoras?
Sempre que falarmos de óbitos por suicídio, precisamos também elencar os fatores de proteção. Eles mostram àqueles que se encontram em situação de ideação suicida que há tratamento para o transtorno mental de base e, então, o comportamento suicida cessa.
É importante citar que há fatores que funcionam como protetivos e preventivos ao suicídio, como: autoestima elevada; bom suporte familiar, laços sociais bem estabelecidos com a família e amigos, religiosidade independente de afiliação religiosa e razão para viver, ausência de doença mental, entre outros aspectos que podem ser conferidos na cartilha “Suicídio: informando para prevenir“, disponível no site oficial da Campanha (setembroamarelo.com).