Na capa da edição de março-abril da Revista Batistas SP (BSP), o complexo tema da homoafetividade foi ventilado pelas páginas da reportagem principal. A edição ouviu pastores e professores a fim de apontar os princípios norteadores destacados pelas Escrituras Sagradas a respeito da sexualidade humana.
Além desse texto, o site da CBESP publicou outros conteúdos da BSP 13, como as reportagens sobre feminicídio e outros tipos de agressão contra mulheres e sobre ministérios de inclusão a pessoas com Síndrome de Down, e o artigo do presidente da CBESP, e do diretor executivo do CAM. Veículo oficial da Convenção, a Revista Batistas SP tem periodicidade bimestralmente. Clique aqui e acesse as edições anteriores. Faça também seu cadastro e receba gratuitamente as próximas publicações.
Chapa quente*
Na imaginação de Dante Alighieri, no inferno há nove níveis de punição para os pecados. Quanto mais abaixo, pior – o crime e o castigo. Nessa escala, a homoafetividade é penalizada no sétimo círculo. São nove, ao todo. O escritor descreveu isso em “A Divina Comédia” há quase 700 anos – dois séculos antes da Reforma Protestante. Esse passado ainda está logo à esquina.
“Ouvi a vida inteira que homossexuais vão queimar no inferno. E sempre me reprimi, me condenei. Não queria aceitar, e orava muito para Deus mudar isso em mim”, contou Andreia* à reportagem da Batista SP. Ela cresceu num ambiente cristão. Aos 16 anos, disse ter se “descoberto” bissexual. A aceitação veio após terapia para enfrentar uma tragédia: a perda do irmão. Hoje, com 21 anos, namora há seis meses uma jovem de 20.
Apesar do relato de rejeição, Andreia se declara cristã evangélica. Porém, ressalta que não frequenta mais a igreja de sua infância, nem alguma outra. “É muito cruel ir a um lugar pra fortalecer sua fé e ouvir que você foi deixado de mão (por Deus)”, disse acerca das alegações de que os homoafetivos foram abandonados pelo Senhor.
Na ótica do pastor Lisânias Moura, ministro da Igreja Batista do Morumbi, zona sul da capital paulista, o clima tenso e o desconforto revelam as fraquezas dos protestantes ao diálogo. “Um dos problemas é a nossa incapacidade em lidar com o assunto. O movimento LGBTQ tem mais recurso, e vive isso no dia a dia. Quando trazem a bandeira deles, alguns evangélicos não sabem o que fazer”, expôs a respeito da complexidade de travar um diálogo sem bons fundamentos.
Cientista da religião e professor na área de Bíblia, Lucas Merlo também pontua que a evangelização precisa vencer a barreira da seleção de pecados sexuais. “O problema é que reduzimos a pessoa à sua sexualidade e elevamos o ‘status’ dos pecados sexuais em detrimento de outros. Evangelizamos ‘o ativista’, ou ‘o gay’. Esquecemos que são pessoas, como nós somos. A questão da sexualidade certamente terá um momento a ser repensado, mas não deveria ser o primeiro”, destacou o docente da Faculdade Teológica Batista de São Paulo, de Perdizes.
‘O humano é criado essencialmente hétero’
(Lisânias Moura)
A ferida social recebeu novo golpe no início deste ano com a movimentação de uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que debate a criminalização da homofobia. Atualmente, não há lei que tipifique como crime, condição que depende do Legislativo. O julgamento serviu de mais combustível. A Corte contabiliza quatro votos a favor. A discussão foi suspensa no final de fevereiro. Uma medida jurídica que mantém a questão em cena, e, daí, em fervura.
“Ninguém quer tratar desse assunto, porque é muito delicado. Especialmente, por causa da mídia, que força como tentativa de se tratar como tema político”, analisou o pastor Lisânias, autor do livro “Cristão Homoafetivo?” (leia mais no box).
Sinalizando risco à pregação do Evangelho a decisão do STF, a Ordem dos Pastores Batista do Brasil emitiu nota defendendo a liberdade. No texto, a instituição expressa “postura contrária ao cerceamento da liberdade de expressão e a liberdade religiosa pois entende que divergir do comportamento sexual, da conduta ética de pessoas não se caracteriza homofobia”.
Ao refletir sobre os desafios para o século 21, o teólogo inglês John Stott avaliou a homoafetividade como o “tema de impacto nos últimos anos”. Descascar esse abacaxi traz à tona dilemas sociais, como preconceito – tanto do lado de protestantes-evangélicos quanto no movimento LGBTQ+, sigla que funde e inclui dezenas de orientações afetivassexuais, explicam pesquisadores.
Contra a animosidade geral, Stott argumenta que os estereótipos (como o uso do termo “gay” e de outros até vulgares) demonstram pouco respeito a outra pessoa e, principalmente, a ela enquanto imagem e semelhança de Deus. “Somos ordenados a falar a verdade, mas somos chamados a falar a verdade em amor”, frisou em um dos capítulos de “Os cristãos e os desafios contemporâneos” (Editora Ultimato) que aborda esse assunto.
Pastor Lisânias compartilha desse ponto de vista. “Muitas vezes, a igreja tenta mudar o homoafetivo, e capitaliza o poder de mudar. Mas não faz o mesmo com o ladrão, o corrupto, o mentiroso. A gente foi chamado não para mudar homoafetivo em hétero, mas para levar Jesus. O foco é a submissão a Jesus. Não é a homoafetividade, é o coração. Não é ver o movimento LGBTQ como inimigo.”
Stott, Lucas e Lisânias apontam que as Escrituras Sagradas condenam a prática da promiscuidade sexual, não importa se masculina ou feminina. Segundo o pastor da Igreja Batista Morumbi, a inclinação não determina o que a pessoa é. “Você não é ‘gay’. É um filho de Deus lutando com determinado sentimento, e, em Jesus, tem a capacidade de lidar com isso.”
Para os entrevistados, o fundamento está em manter os valores de Jesus,
que são calcados no amor e na acolhida visando a transformação do coração, e, consecutivamente, do caráter
Prolífico autor do segmento cristão, Henri Nouwen optou por, nessa luta, escolher a castidade do celibato como fonte de refúgio. Não sem angústias constantes, narra o também escritor Philip Yancey sobre um pouco desse árduo combate do sacerdote em “Alma Sobrevivente” (Mundo Cristão).
“A graça não dá liberdade pra fazer o que quero, pintar e bordar. Dá liberdade para fazer o que Deus quer. Ao crer que Jesus o perdoou, Ele vai viver, agora, pra agradar a Deus. A graça nunca vai o afastar de Jesus. É olhar com os olhos que só Deus tem”, disse pastor Lisânias sobre a busca de todo o que crê em refletir a santidade do Senhor.
As pessoas com orientações homoafetivas não devem procurar, necessariamente, na união hétero a solução para seu conflito interior, ele argumenta, tendo em vista que, casamento entre homem e mulher é a resposta bíblica ao relacionamento humano. “É a intimidade entre duas pessoas iguais, mas diferentes”, destacou. Desta forma, ressalta que a linha de argumentação de ideologia de gênero se distancia do ensinamento da Bíblia.
Segundo o professor Lucas, os idiomas bíblicos (hebraico e grego, no caso), em algumas das referências escriturísticas comumente citadas – como Levítico 18.22, 20.13, e Romanos 1.26-27, por exemplo – , descrevem, literalmente, a ação de “deitar-se com homem como se fosse mulher” ou “deixar o uso natural”, respectivamente. Expressões como homossexuais ou homoafetivos são modernas e não faziam parte do vocabulário dos autores. “Uma coisa é trabalhar hermeneuticamente o que a Escritura diz. Outra coisa é a compreensão dos processos psicológicos e sociais contemporâneos que envolvem o fenômeno. Uma coisa é nossa compreensão e aproximação ao indivíduo e como as igrejas respondem a ele”, complementou.
No frigir dos ovos, a análise geral dos entrevistados está em manter os valores de Jesus, que são calcados no amor e na acolhida visando a transformação do coração, e, consecutivamente, do caráter.
“O papel da igreja é amar indistintamente, e ajudar as pessoas a conhecer o poder transformador de Jesus”, declarou o pastor Lisânias ao dizer que a tarefa do povo de Deus, sob a perspectiva pastoral, está bem clara também nesta circunstância. Observação esposada pelo professor da Teológica. “Precisamos de mais compaixão, misericórdia e paciência”, concluiu o professor Lucas.
* Reproduzido a partir da Revista Batistas SP (Ano III / Edição 13).