‘A política não é a tarefa principal da igreja’, diz autor

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Autor do livro Brasil Polifônico (Mundo Cristão), o pastor e escritor Davi Lago foi entrevistado para a reportagem de capa da edição janeiro-fevereiro da Revista Batistas SP (BSP). O analista político respondeu a perguntas sobre corrupção e a participação dos cristãos, em especial dos batistas, na vida política.

Pastor Davi Lago será um dos preletores do Módulo III do Projeto Josué, iniciativa missionária da Convenção Batista do Estado de São Paulo (CBESP) para cuida dos pastores das menores igrejas no Estado – para participar do módulo como pastor-ouvinte, inscreva-se aqui.

Outros conteúdos da BSP 12 já foram publicados e estão disponíveis, como o artigo do presidente da CBESP, pastor Manoel Ramires, falando da importância de se revisar a organização convencional, a coluna do diretor executivo do CAM-CBESP, pastor Adilson Santos, sobre o engajamento do cristão na transformação social do País. A próxima edição será distribuída em março. Faça seu cadastro e passe a receber em casa sua BSP.

Esperança aos corrompidos*

Por Chico Junior

Escritor visitou sede da CBESP (Fotos: Renato Osis/CBESP)

Mestre em Teoria do Direito, escritor e pastor batista, Davi Lago visitou a CBESP em dezembro. À reportagem da Revista Batistas SP, ele falou sobre a participação cristã no combate à corrupção, sinalizou perspectivas para os 100 primeiros dias da gestão Bolsonaro, e destacou o papel do cristão e da igreja na sociedade. Veja abaixo trechos dessa conversa. 

A tensão na sociedade entre República, a “coisa pública”, e corrupção ressurgiu forte em 2018. O que esperar de um cristão nesse momento?
A coisa pública é pública em dois sentidos: uma porque é de todos, e outra porque é transparente. A corrupção é justamente o oposto. Ela é um crime contra a administração pública. É a privatização do que é público, e feita às ocultas. A fé cristã é contundentemente oposta a esse tipo de conduta. A Bíblia é contra a corrupção, e vai além. Ela tem uma palavra de esperança a todos os que se corromperam. Todos somos corruptos, se levarmos em conta não só o Direito e o bem público, mas espiritualmente falando, que é de onde emana essa conotação de corrupção, que é “coração rompido”, no latim. Pra Zaqueu, que poderíamos considerar um funcionário público, Jesus diz: “Hoje a salvação entrou nessa casa”. É uma palavra de esperança para quem cometeu atos de desvios. Temos que ter fé que vidas podem ser restauradas, e se forem, o Brasil pode ser restaurado. A moral do Brasil nunca será maior do que a moral do brasileiro. Se brasileiros e brasileiras se arrependerem e ouvirem o Evangelho, aí sim há uma real esperança para o País.

Pastor, Davi Lago será um dos preletores no Projeto Josué

Bolsonaro teve uma campanha diferente das vistas desde 1989. Pautas conflituosas e apoio considerável de cristãos em geral. Qual leitura faz desse cenário de 2018? E qual a consequente projeção para este ano, principalmente no combate à corrupção?
Sobre o processo eleitoral de 2018, as análises passam, primeiro, que o Brasil carece de um projeto de nação. Um sentimento comum do povo sobre o futuro no século 20 era a modernização. Quando cai o muro de Berlim, o Brasil tem um novo macroprojeto, que é a social-democracia. Agora, os dois projetos que passaram ao 2º turno, eram “retro-projetos”. São saudosistas, não olharam pra frente. O grande desafio do povo é entender qual é o projeto em que caiba todos os brasileiros. Na ausência disso, vai sobrar muito falatório. Na falta de projetos, o que venceu foi a proposta de oxigenação do poder. Bolsonaro foi quem incorporou esse sentimento de anti-establishment político que havia. Oxigenar o governo é a grande certeza que temos para os primeiros 100 dias. Só dar guinada na política externa e de institucionalizar o combate à corrupção, colocando a figura central da Lava Jato, o juiz Sergio Moro, como ministro da Justiça, garantem que oxigenar vai. O que vai ser dessa oxigenação, ninguém pode dizer. O Brasil precisa de algumas reformas estruturais grandes para entrar no século 21. Enquanto elas não são viabilizadas, o que pode ser feito é o que o Bolsonaro está fazendo: Estava indo por esse caminho o tempo todo, vamos virar na direção oposta. A proposta dele foi essa. 

‘A moral do Brasil nunca será maior
do que a moral do brasileiro’
Brasil Polifônico trata da relação entre cristianismo e política

A presença dos evangélicos nessa eleição de 2018 fez mais bem ou mais mal?
Não saberia responder nesses termos. Eu diria que ela veio pra ficar. Democracia é o primado da maioria, não significa a tirania da maioria, mas isso é uma lição elementar. Democracia é o governo que dá privilégio à voz da maioria, resguardados os direitos da minoria. Uma vez que os evangélicos são um terço da população é um cálculo aritmético simples, vão ter cada vez mais espaço numa democracia. Algumas pessoas atentas já perceberam alguns movimentos de modo a mitigar esse grande poder de influência que lideranças evangélicas tem hoje. Como a interpretação do TSE de abuso de poder religioso, prática que pode desequilibrar o sistema democrático. A democracia passa por uma série de mudanças no mundo todo. Não é a presença dos evangélicos que a bagunçaram.

Seu livro fala de Cristo ressignificando César, desconstruindo e reconstruindo o Estado. Qual relação há entre Cristo e os “césares” atuais?
Eles são as autoridades. Em Romanos, são chamados de ministros de Deus. Deus é o Rei dos reis. Ele preside os presidentes. O trono de Cristo é o ponto fixo de um universo instável. O dever do cristão diante das autoridades é o da obediência. Agora, se elas nos obrigam a realizar algo que afronte a vontade revelada de Deus, aí inverte a nossa obrigação. Deus exige de nós a desobediência civil, como fizeram as parteiras das hebreias, Sadraque, Mesaque e Abede-Nego. 

Escritor citou planos sobre lançamento de obras em 2019

Como o cristão, que reflete sobre a arena pública, deve se comportar acerca da sede pelo poder?
Isso passa pela compreensão bíblica do papel da igreja na arena pública. A igreja, na arena pública, não significa ser um partido político. Significa testemunhar à sociedade o valor do Evangelho, e isso foi feito na história de maneira distinta. Quatro paradigmas apontam isso. Um é quando o cristão entra nas estruturas de poder como candidato pra defender valores caros à fé cristã. Temos Martin Luther King, um líder religioso defendendo uma causa pública. O terceiro é quando a igreja se torna equilíbrio entre as forças, como Rick Warren, em Saddleback, que colocava candidatos opostos apresentando as demandas da igreja a eles. É a igreja chamando os lados para o diálogo. E, o quarto, é a de se preservar como conselheiro, como o Billy Graham, que se tornou conselheiro de presidentes dos EUA. Isso mostra que há distintos modos da liderança da igreja participar da sociedade. A política não é a tarefa principal da igreja, mas é responsabilidade de cada cristão considerar sua participação. Nem idolatria, nem deificação, nem demonização da política. A política é uma ferramenta.

* Reproduzido a partir da Revista Batistas SP (Ano III / Edição 12).

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