Só ficar em casa pode indicar medo de conviver, diz psicóloga

Entrevista amplia tema da revista BSP
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Conteúdo adicional ao texto principal produzido para o número 28 da Revista Batistas SP (BSP), veículo oficial da Convenção Batista do Estado de São Paulo (CBESP), a reportagem publica nesta quarta-feira, 22/3, entrevista com a psicóloga Stela Barbosa Correia Sampaio. A conversa repercute a capa do periódico, que tratou do comportamento de optar por ficar em casa e evitar ao máximo as interações sociais, escolha ampliada após isolamento social decorrente da pandemia. A BSP28 está disponível gratuitamente aqui.

Psicóloga foi entrevistada para a BSP28 (Arquivo pessoal)

Especialista em psicologia clínica pelo Centro de Formação e Assistência à Saúde (CEFAS/Campinas), Stela atuou por 10 anos como psicóloga social dentro das políticas do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), em instituições como Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), Casa Abrigo, e Organização da Sociedade Civil (OSC). A profissional atende adolescentes, adultos e casais.

O crescimento na sensação ligada às situações sociais, como a percepção de alta da violência urbana e a insegurança quanto a outras ameaças somada à oferta do conforto residencial, pode provocar transtornos de comportamentos? Se sim, quais seriam os mais comuns?

Quando pensamos nas causas que afetam a saúde emocional, não é possível definir um transtorno considerando um aspecto isolado. As diversas situações sociais estão presentes no nosso cotidiano, e a violência é uma delas, atingindo uma das necessidades do ser humano que é segurança e proteção. A falta de segurança externa, como citado, a violência urbana, vai mobilizar algo interno no indivíduo, podendo despertar medo, angústia, preocupação, insônia, e outras sensações perturbadoras, que podem ser passageiras ou podem se tornar um sintoma, ou seja, se apresentarem em sofrimento emocional e alteração do comportamento por um período de tempo. Não podemos desconsiderar, que as situações sociais, externas, atravessam uma nossa vida emocional, interna, e isso influenciará na resposta que a pessoa vai dar frente essas situações de vulnerabilidade. Exemplo disso são as pessoas que passaram por uma situação de estresse muito forte de curta ou longa duração, em que sentem a sua integridade física e mental sendo ameaçada, como por exemplo, um sequestro, pode levar a um transtorno de estresse pós-traumático.

Pandemia do coronavírus restringiu interação social e descoloriu relações interpessoais (Ingo Joseph/CANVA)

Querer ficar mais em casa, inclusive aproveitando oportunidades de refeições especiais em domicílio, seria apenas o desfrutar do conforto do lar ou a manifestação de alguma fobia?

As fobias são medos persistentes e radicais de um objeto, atividade e situações específicas, ou seja, um medo intenso direcionado para aquilo que está fora de mim que ao entrar em contato, provoca pavor, angústia e ansiedade ao ponto de me sentir aprisionado frente ao medo. Nessa situação citada, o que distinguiria um comportamento de querer passar tempo em casa, ou o mecanismo de fuga, como uma defesa para não entrar em contato com o objeto ou situação de angústia, é a avaliação de, no mínimo, quatro aspectos que devem ser observados. Primeiro, com que frequência essa situação de não sair de casa se repete. Segundo, a emoção. Quais emoções e sentimentos são despertados na situação de sair de casa. Outro item é o pensamento. Quais pensamentos surgem quando a pessoa pensa em sair de casa. E, por fim, o comportamento limitante. O fato de não querer sair de casa, está impedindo de ter um convívio social e realizar tarefas que seriam necessárias? Ele limita o conviver socialmente, realizar tarefas, ir a lugares e ter situações que seriam saudáveis para a saúde emocional?

Quais são as definições adequadas para a “síndrome da caverna, ou da cabana”, e a “agorafobia”? A Covid-19 acentuou esses casos?

A “síndrome da Caverna, ou da Cabana”, é uma reação emocional frente ao retorno para “fora da caverna”. Uma vez que a pessoa passou um período de tempo em situação de isolamento social, percebe-se uma dificuldade de retornar às atividades de rotina e convívio social. Nesse caso, estar “fora da caverna” suscita sentimentos de desamparo, insegurança e desproteção podendo levar a sintomas de medo e ansiedade.

Ansiedade abateu muitas crianças e adolescentes (Canva)

Já “agorafobia” é um medo intenso direcionado a uma situação de estar em lugares abertos, em uma fila do banco ou andando na rua, por exemplo, e passar por um ataque de pânico e não conseguir sair do local para ser socorrido por estar em um ambiente público. Isso faz com que a pessoa evite sair de casa.

Entrevista desdobra
reportagem da BSP28

Tendo em consideração que a Covid-19 levou muitas pessoas a ficarem isoladas socialmente por quase dois anos, no caso uma pessoa que sofre de agorafobia, ela se viu protegida do seu medo por não ter que sair de casa e estar na multidão. No caso da Síndrome da Caverna, o medo vem após um período de isolamento social, que, com o tempo pode, passar e voltar a fazer as atividades de rotina ou se agravar em um quadro emocional mais grave.

A organização da saúde (OMS) afirmou que o século 21 vem sendo o período de maior número de doenças mentais. Esse quadro se apresenta como constatação dessas atitudes sociais citadas ou é um complicador para a equação?

Isolamento trouxe prejuízo ao convívio (Önder Örtel/CANVA)

A realidade do mundo contemporâneo vem apresentando várias formas de sofrimento emocional e uma delas são os Transtornos de Ansiedade Social, que segundo o DSM 5 [sigla em inglês para “Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais”], é um conjunto de caraterísticas que gera ansiedade a partir da interação com as pessoas, principalmente as desconhecidas. Um dos motivos que causa esse afastamento das interações sociais está relacionado ao medo do julgamento e avaliação do outro, da falta de aceitação, do medo da rejeição, de lidar com as frustrações, ou de não se ver interessante para um relacionamento. 

A alta na possibilidade de nos relacionarmos virtualmente contribui para o isolamento social e para a fuga de interações presenciais? 

Sim. A relação com o outro como uma experiência presencial requer a exposição do corpo, a imagem, as expressões corporais e uma apresentação da realidade daqui que se mostra sem tantas ferramentas de controle como na relação virtual. Isso faz com que muitas pessoas se sintam temerosas e inseguras para investir na relação presencial. Nos relacionamentos virtuais, necessariamente, não precisamos ter que lidar e enfrentar o que nos afeta na relação, porque, quando acontece algo que eu não quero lidar, é mais fácil evitar, não responder ou até excluir. 

Como evitar que o desejo de querer apenas ficar em casa seja algo perigoso?

É interessante observar que quando a pessoa está se afastando ou evitando algo, o seu desejo está bem naquilo que ela diz que não quer. Será que ela realmente deseja ficar em casa? Ou é o medo de estar fora de casa, que faz desejar não sair? Primeiramente, as pessoas precisam reconhecer que evitar sair de casa e não conviver com outras pessoas está sendo algo prejudicial para sua vida. Passar com um profissional da área de psicologia ajudará a entrar em contato com o desejo e, a partir disso, entender o que está bloqueado essa ação para, então, poder ressignificar o que foi construído a partir da sua história de vida.

* Leia mais sobre esse assunto e também sobre outros temas na edição 28 da Revista Batistas SP.

Experiências e contato entre pessoas conduzem seres humanos ao amadurecimento psicoemocional (Canva)
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