Nesta quinta-feira (11), a Convenção Batista do Estado de São Paulo (CBESP) encerra a reprodução sobre os conteúdos relacionados à defesa da vida publicados na edição 10 da Revista Batistas SP (BSP). A série foi iniciada ontem (10).
A publicação de hoje traz a reportagem de capa da edição setembro-outubro, que apontou argumentos contrários ao aborto ouvindo especialistas e estudiosos sobre o assunto. Já a primeira postagem, que completa esse texto, foi o artigo escrito pelo advogado e diretor jurídico do Colégio Batista Brasileiro-Perdizes, Nelson Ajuricaba de Oliveira.
Mudança pela vida*
Grávida aos 19 anos, Jéssica Dantas Pereira Coelho se prepara para abortar. A gestação vai impactar a vida dos dois na igreja, afetar suas famílias e prejudicar o futuro de ambos. O namorado a incentiva. “Estava muito decidida a não ter o bebê”, afirma. Rumo ao trabalho, vê um cartaz numa estação do metrô (“Grávida? O que fazer?”). A oportunidade lhe está à porta.
Ao procurar o Centro de Reestruturação para a Vida (Cervi) – nome que viu no cartaz – a fim de cumprir seu plano, a conversa e a oração com as atendentes lhe devolveram o chão. “Eu estava no fundo do poço, e aquele momento foi um divisor de águas. Me senti perdoada e protegida. Hoje, Kalebe está com 16 anos, e, olho pra minha história de vida… Ele é uma bênção”, contou, em lágrimas.
O suporte do Cervi lhe permitiu criar o filho – mesmo sem o apoio do pai da criança, com quem rompeu ainda durante a gestação -, conquistar trabalho, construir um lar. Casada há 5 anos e à espera de mais um filho, sente uma nova alegria por ser mãe pela segunda vez. “Vale a pena decidir pela vida. Ela traz a possibilidade de mudanças. A morte é o fim. A vida traz perdão e renascimento”, declarou.
Jéssica viu seu Kalebe, que é violinista, tocar antes da apresentação da presidente de honra do Cervi, Rose Santiago, na audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF). O encontro foi convocado pela ministra Rosa Weber e realizado no início de agosto, para ouvir especialistas acerca da descriminalização do aborto para gestações até a 12ª semana.
O pedido ao Judiciário partiu do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), a fim de analisar um possível descumprimento da Constituição Federal. Em outras palavras, os artigos 124 e 126 do Código Penal estariam ferindo a Carta do País – algo irregular. “Esses dois artigos punem criminalmente o aborto praticado em si pela própria gestante ou realizado por terceiros”, explicou David Teixeira de Azevedo, professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP.
De acordo com a Secretaria Estadual da Administração Penitenciária, nenhuma mulher está presa hoje por ter infringido a lei penal. “A gestante que pratica o aborto não vai para a prisão. A prisão, portanto, é excepcionalíssima em nosso sistema”, completou David.
Nenhuma mulher está presa por aborto (Art.124)
Dados de 20/8/2018 da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária
Por dois dias, pontos favoráveis e contrários ao abortamento – termo para a ação em si – foram levantados por cerca de 60 expositores. Na trincheira pela defesa da vida, no STF, ao lado de Rose esteve Lourenço Stelio Rega, diretor da Faculdade Teológica Batista de São Paulo (FTBSP), como representante da Convenção Batista Brasileira (veja vídeo no site da CBESP). Em sua preleção, Lourenço recorreu a fatos científicos da biologia e da bioética, sua área de estudo e especialização.
À reportagem, disse que os batistas têm de readquirir valores e ideais que Deus tem para a criação, entre eles, o da gestação. “Precisamos aprender também a valorizar outros temas além de evangelização e missões, e o campo da ética passa a ser fundamental”, declarou.
Professor Lourenço acredita haver falha do cristão em ser “sal” e “luz” no mundo. “As provas estão aí incontestes, como o avanço de toda ideologia do ‘politicamente incorreto’, as ideologias ligadas a gênero, a liberação de certos costumes. Já se fala de liberação de pedofilia, incesto, poligamia e coisas do gênero. Isso tudo é falta de influência nossa, cristãos, na vivência em si. Hoje eu não poderia garantir que a missão profética da Igreja está sendo cumprida nesse sentido.”
Membro da Igreja Batista de Água Branca (Ibab), Rose também ressalta a omissão dos evangélicos nesse tema. “Ouvi algumas vezes de igrejas que aborto não é problema de igreja. É uma briga trazer os evangélicos para a defesa da vida.” O Cervi integra a Rede Ibab Solidária. Ao longo de quase 20 anos, a instituição prestou cerca de 18.000 atendimentos. Segundo a presidente da ONG, continua a acontecer visita de mulheres ou casais que pensam ter encontrado uma clínica de aborto. São enganos que salvam vidas.
“Muitas vezes é o parceiro que a leva a abortar. Não são as mais pobres (que abortam). Se fosse assim, as comunidades carentes não estariam cheias de crianças”, comentou Rose, sobre essa decisão ser geralmente apenas da mulher e do parceiro, sem sequer terem relatado a gravidez a outros membros da família.
Rastro da morte
O atual movimento pró-aborto é resultado da chamada “Revolução Sexual”, iniciada nos anos 60. Essa conexão é percebida em duas linhas gerais: sexo descompromissado e desconstrução do “conservadorismo”, avalia Pedro Henrique Rodrigues de Oliveira Issa, mestre em História Social pela USP e professor do Colégio Batista Brasileiro-Perdizes.
“Há uma defesa da sexualidade não acompanhada de compromisso. O sexo é tido como simplesmente um recurso de prazer”, explana. O historiador afirma ainda que esse é um estímulo e é um dos motivos fortes da agenda de parte dos ativistas.
Na Argentina, Senado vetou projeto de lei
que pretendia legalizar o aborto até a 14ª semana
Ele destaca também os raciocínios desse grupo, os quais abrigam a ideia política do marxismo cultural. “Os defensores dessa pauta entendem que não há relação entre casamento, sexo e procriação. Se um efeito colateral indesejado desse sexo descompromissado for um filho, há todo direito de eliminá-lo e removê-lo do trilho do prazer.”
Na segunda linha, a revolução política se dá quando indivíduos se rebelam contra as amarras da coletividade. “Todos os movimentos de 1950 e 60 têm a ideia de que é preciso destruir os valores da sociedade moderna, que é baseada na tradição clássica e na tradição judaico-cristã.” O feminismo vem dessa época e é fundamentado nessa visão marxista cultural.
Cultura sangrenta
De acordo com entrevistados, o perfil de quem opta por abortar é de universitárias, de pessoas com dificuldade financeira, de quem não quer mais “um problema” na vida. Segundo a pesquisa “Estatísticas do Registro Civil 2015”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mulheres com mais renda e instrução têm menos filhos, apenas um, em geral. Entre as menos escolarizadas, o número chega a três.
Nas classes altas e mais instruídas, abortar surge como opção para suposto prejuízo da aparência estética, questões sociais como gravidez antes do casamento e/ou de mãe solteira, e uma perspectiva de futuro profissional ameaçado. A ameaça, na verdade, é contra a vida da mulher, destaca o obstetra Wiliam Der Torossian Torres, ginecologista há 42 anos. “Quando praticados pela gestante ou por indivíduos incompetentes, podem surgir riscos de infecções graves, levar à esterilidade e até a morte”, observou o médico, que é especialista também em medicina preventiva.
Por ser crime no Brasil, as estatísticas sobre aborto são questionáveis e nada confiáveis. “São computados somente os casos que vão até hospitais e prontos-socorros. Os que são realizados clandestinamente não aparecem nas estatísticas”, comentou o obstetra.
Em entrevista no final de agosto à agência de notícias EFE, o médico do Centro de Estudos e Formação Integral para a Mulher do México (CEFIM), Cándido Pérez, disse que a descriminalização na capital mexicana “foi um fracasso na política pública”. Ele é doutorando em Políticas Estratégicas de Gestão e Desenvolvimento na Universidade de Anahuac.
Segundo relatório “Aborto, a política de um Estado claudicante”, não houve queda do número de mortes de mulheres que realizam esse procedimento e nem da clandestinidade na cidade do México. Após 10 anos de liberação, o aborto representa 10,7% das mortes maternas na capital, mais que a média nacional (9,2%).
Presidente da Convenção Batista do Estado de São Paulo (CBESP), pastor Manoel Ramires destaca a importância da vida aos olhos de Deus. “O feto é uma pessoa, cuja vida foi dada por Deus, e cuja responsabilidade de proteger pertence inicialmente à mãe que a está gerando, mas alcança a sociedade.”
Amparado também nas Escrituras e nas leis brasileiras, o diretor jurídico do Colégio Batista Brasileiro-Perdizes, Nelson Ajuricaba, argumenta que ninguém tem direito de decidir contra o direito da vida. “Uma concepção é consequência de escolhas certas ou erradas que o homem e a mulher podem fazer. Destruir uma vida é uma escolha que ninguém tem o direito de fazer”, afirma o advogado (leia artigo “Reflexões sobre aborto”).
* Reproduzido a partir da Revista Batistas SP (Ano II / Edição 10).