Na edição especial para o trimestre de outubro a dezembro passado, a Revista Batistas SP (BSP) buscou apresentar o frescor da boa nova de Cristo como ares novos diante de meses tão difíceis enfrentados pela humanidade no início desse milênio.
A reportagem principal do veículo oficial da Convenção Batista do Estado de São Paulo (CBESP) abordou a esperança como fonte de renovação e reanimo aos cansados e abatidos ouvindo especialistas, estudiosos e missionários da CBESP a fim de dar direções a líderes e lideranças na condução desse tema à membresia das igrejas, e também de receber relatos do que a graça de Deus vem operando em situações adversas. O conteúdo está reproduzido na íntegra abaixo. Todas as edições da Batistas SP estão disponíveis para download.
Por Chico Junior
Um dos anos mais complexos que as gerações nascidas depois da Segunda Guerra Mundial viveram foi este de 2020. Nunca, até então, toda a humanidade havia se visto envolvida novamente numa circunstância tão adversa quanto a provocada pela pandemia de Covid-19, cujos primeiros sinais se deram na Ásia.
A princípio, o território brasileiro se mantinha entre as regiões distantes de cenários de impactos desta grandeza, como foram nos acontecimentos de conflitos globais dos últimos dois séculos. Desta vez, contudo, o Brasil não foi poupado. E, pior, registra altos números de mortes em decorrência do coronavírus. Projetar um ambiente melhor para os próximos meses pode parecer algo fantasioso ou produto de algum tipo de delírio. No entanto, há experiências renovadoras sólidas a trazer fôlego e alento.
A perspectiva cristã é de esperança,
algo maior que otimismo
À Revista Batistas do SP, pastores, teólogos e pensadores cristãos compartilharam a perspectiva da esperança a partir de reflexões fundamentadas nos ensinamentos das Escrituras Sagradas. De fato, os entrevistados pela reportagem apontam motivos para imaginarmos que 2021 deve ser contemplado sob a ótica cristã da esperança, um elemento singular da fé em Cristo. Sob tal viés, os missionários da Convenção Batista do Estado de São Paulo (CBESP) ouvidos respondem todos a uma questão iniciada de igual forma: “Como resgatar e fomentar a esperança…?”
Cada um, entretanto, abordou essa pergunta segundo as características de seu próprio campo e conforme detalhes que observa mediante o agir divino no cenário de Missões. A conclusão para o leitor será óbvia. Todos eles se estabelecem como missionários da esperança, levando palavras de conforto e encorajamento onde, por vezes, só há terra seca e aridez de dores e lágrimas.
“A gente tem visto através dos psiquiatras e dos estudiosos do comportamento humano que esse isolamento tem provocado um prejuízo na vida das pessoas, tanto na parte física, porque estão sedentárias, como na parte psíquica, em que se nota ansiedade e também muita depressão. Essas são as duas coisas que aparecem com a pandemia. Além do mais, nós tínhamos expectativa de que a pandemia terminasse em 8 meses. E ela não terminou”, avaliou o pastor Silas Molochenco, doutor em psicologia e especialista em aconselhamento, o impacto emocional e o horizonte a serem enfrentados por pastores e líderes.
Experiente no segmento de treinar lideranças, o pastor Josué Campanhã, diretor da Envisionar, que atua na capacitação de líderes cristãos, aponta algumas atitudes essenciais ao guiar a igreja local nesta hora de certa apreensão e desânimo. Entre as orientações está a recomendação de não se deixar levar pela crise, antes, conduzi-la.
“Sei que isto não é fácil, mas só existem estas duas opções. Liderar a crise significa adquirir resiliência para continuar, buscar soluções criativas, pensar diferente, dentro ou fora da caixa, sobre aquilo que você sempre fez de um determinado jeito, mas que não funciona agora. Liderar a crise implica em tomar decisões para o futuro, mesmo sem saber todo o cenário do futuro, não perder o senso de missão, chamado de Deus e um coração disposto a servir. Liderar a crise foi o que todos os homens e mulheres de Deus fizeram na Bíblia, como Moisés, José, Abraão, Ester, Neemias, os apóstolos, Paulo e tantos outros. Nossa missão não mudou, o Deus que nos chamou não mudou, nosso chamado não mudou, mas mudaram todas as circunstâncias que estão ao nosso redor, então precisamos descobrir uma nova forma de cumprir a mesma missão”, afirmou.
De fato, ao longo da história, os cristãos enfrentaram – e passaram – por inúmeros revezes e momentos difíceis, para o pós-doutor em Ciências da Religião, o pastor Jorge Pinheiro, podem ser extraídos ensinos relevantes com essas biografias do passado em meio à singularidade de uma epidemia que é acompanhada ao redor do globo em tempo real.
“Bom, nós temos que aprender que o nosso Reino não é deste mundo, e que tudo isso, um dia vai passar, essa é a mensagem que aprendemos com aqueles homens e mulheres de fé que nos antecederam”, comentou o professor ao citar os martírios no início do cristianismo enquanto os fiéis torturados cantavam e adoravam até a morte.
O teólogo também aponta que o sofrimento é momentâneo, ainda que seja em escala mundial. “Há poucas décadas, passamos por uma carnificina com cerca de 100 milhões de mortos nas duas grandes guerras. Milhões massacrados pelo ódio, pelo conflito entre nações. Sobrevivemos? Sobrevivemos sim. E o que aprendemos com isso? Ora, vou dar um exemplo. As igrejas na Inglaterra têm o dia da lembrança. Mesmo na França, na Europa, se celebra o dia do final da 2ª Guerra Mundial. Algumas igrejas, na Inglaterra, sem nenhuma dúvida, fazem cultos especiais de lembrança, de lembrança da dor, de lembrança do sofrimento e de agradecimento a Deus porque isso já passou. Então, podemos aprender com a nossa permanência na fé, de que ela é abalada, sim, ela sofre sim, mas ela vai além disso.”
Esse vigor próprio experienciado por quem crê no Senhor é o cerne para a esperança e também serve de fonte motivadora e de mobilização para líderes, pastores e liderados, destacaram os entrevistados. Ao pastor, a sugestão é manter um canal especificamente aberto como uma estratégia para empoderar as pessoas e reduzir os fatores de estresse, como tédio, frustração e o ser ou não infectado, argumenta o pastor Silas Molochenco.
“O aconselhamento é uma ferramenta de acolhimento e de restauração, encontrando novas formas de cuidado com o outro e consigo mesmo. Todo conselheiro precisa, em primeiro lugar, ter um cuidado consigo mesmo. O pastor não pode se jogar pra atender os outros se ele não atender-se a si primeiro. Acreditamos que, por via do aconselhamento, poderíamos ajudar e ajudar muito as pessoas que estão nessa situação difícil, que é a situação de isolamento. Precisamos acreditar que nós temos a possibilidade de nos reinventarmos e trabalhar mais em família, mais em conjunto, para que essa crise seja diminuída”, asseverou pastor Molochenco sobre a atenção à espiritualidade associada também às áreas físicas e psíquicas.
A ameaça de desalento recai também sobre o líder, ser humano como todos. O espírito de liderança necessário em situações adversas pode estar bastante abatido. Ciente desta condição na vida do guia espiritual, pastor Josué Campanhã alerta para que pastores e líderes evitem a solidão.
“Busque ajuda, não fique sozinho, forme uma equipe se você não tem uma, busque parceiros. Busque ajuda para sua vida emocional, conjugal e familiar, física, financeira e ministerial. No avião, quando há uma turbulência, a comissão de bordo diz: ‘Coloque a máscara primeiro em você, e depois ajude as crianças ou as pessoas que estão ao seu lado’. Se você não estiver bem, não vai conseguir ajudar ninguém”, adverte para a importância da consulta a profissionais especializados caso haja necessidade de reequilibrar a saúde.
Convicções bíblicas também são instrumentos relevantes para a retomada e reerguimento pessoal e comunitário. Erros doutrinários e teológicos de alguns movimentos, como confissão positiva e ênfase na prosperidade material e bem-estar, ficaram fragilizados e fragmentaram também seus adeptos. Contudo, tais crenças não devem reduzir sua atratividade, diz o teólogo Jorge Pinheiro.
Para ele, a idolatria da mercadoria, o fetichismo da mercadoria, na expressão de Karl Marx, é forte no Brasil em razão do desejo de adquirir bens e ter possibilidades maiores, sentimentos presentes na classe média e nas classes menos favorecidas, respectivamente. Esse anseio, portanto, deve contribuir para aumento de teologias desta ordem.
“As pessoas vão procurar por mercadorias, por bens, por produtos, o carro do ano, isso para a classe média. A classe miserável vai procurar por comida. Comer vai ser algo que vai levar essas pessoas a estas visões de uma teologia do mercado. Ora, a resposta na pós-pandemia, é exatamente o Cristo crucificado. E o Cristo crucificado começa agora, na própria pandemia. Pregamos o Cristo, aquele Deus que se fez carne, que se fez gente e que se fez homem e que representa toda a humanidade e morreu por nós, é o sangue derramado na cruz, é isso que faz a diferença.”
Engajado em forjar lideranças, pastor Josué Campanhã listou algumas atitudes importantes que pastores e líderes devem priorizar na retomada. A listagem contém seis tópicos: administrar cada semana, sem perder a visão de futuro; tomar as decisões de curto prazo, mas planejar para anos; ter uma equipe que ajude a superar a crise; reinventar e ser criativo; investir recursos disponíveis em algo que renda; e focar.
“Prioridade é uma palavra que só tem singular. Se você me diz que tem cinco prioridades, não tem nenhuma. Não importa se a igreja tinha 30 atividades, agora é preciso focar. E não estou falando apenas do culto. O culto é algo óbvio que toda igreja tem para alinhar a todos. Sugiro focar em discipulado, que é um ‘recurso que gera novos recursos’. Discipulado ajuda a igreja a criar raízes, gera novos líderes, ajuda os pais no discipulado dos filhos, etc. etc. O discipulado ultrapassa a pandemia, como foi na igreja primitiva. Sugiro que seja o projeto da sua igreja para os próximos 50 anos. Não, não errei, 50 anos mesmo”, afirmou Campanhã.
Também na dinâmica da prática do cuidado emocional-espiritual da igreja, o aconselhamento atende às necessidades do rebanho, serve como orientação realista, e colabora para desenvolver sentimentos adequados, considera o pastor Molochenco. Em sua análise, o conselheiro cristão precisa ponderar, compreender as transformações e ressaltar a simpatia, a comunhão, a compaixão e a afeição.
“Isso é pastorear. Nós não somos os mesmos de março. A pandemia nos fez mudar muito. E aí a gente pode observar um conselho dado por Carl Rogers [psicólogo estadunidense], o que importa, na verdade, é promover transformações na vida da pessoa. Então, quando a gente dá aconselhamento, a pessoa não pode sair igual como ela entrou. Ela precisa ser transformada. E aqui está a importância do pastor. A sua ação vai transformar a vida do membro da igreja.”
Molochenco adverte também que o conselheiro cristão precisa ter capacidade de perceber se o aconselhado está em um estado de inércia ou de estagnação. Caso não consiga retirar a pessoa dessa condição, é primordial lhe indicar um psiquiatra.
Ele salienta ainda que direcionar esforço apropriado para a solução da dificuldade é importante na vida pessoal e da congregação. “Às vezes, focamos energia em várias coisas, mas não focamos energia para a solução da dificuldade. Saber tomar iniciativas corretas, maduras e responsáveis, ensinar o membro da igreja a tomar essas iniciativas corretas, maduras e responsáveis. Pode solucionar o problema, senão em seu todo, pelo menos em parte.”
Sob a ótica cristã, o imperativo não é otimismo, mas sempre fé e esperança no Senhor Jesus e o alicerce para acreditar e agir por um ano melhor. “Esperança é a espera na promessa de Cristo. Isso é esperança. Espero porque tenho esperança, porque espero o cumprimento das promessas feitas pelo Cristo. Ora, quem não tem essa esperança, morre junto com a morte. Ela já morreu há muito tempo. Não tem esperança nenhuma A esperança é a última que morre? Não. É uma frase errada. Na ressurreição dos salvos, veremos o Senhor face a face, não teremos mais que esperar. Por isso, a fé e a esperança são superadas pela presença do Cristo. Quando eu ressuscitar não haverá mais esperança nenhuma, porque eu vejo Cristo, meu Cristo, o meu Senhor, o meu Rei”, declarou Jorge Pinheiro.
*Reproduzido a partir da Revista Batistas SP (Ano IV / Edição 22).